Reportagem Especial
MONTEZUMA CRUZ: Ecos da Noite no Bairro do Roque
Durante as décadas de 1970 e 1980, Porto Velho viveu um ciclo intenso de movimentação noturna marcado por boates, prostituição, música popular e relações sociais forjadas à margem da cidade formal. A chamada ZBM (Zona do Baixo Meretrício), no bairro do Roque, concentrava um cenário efervescente de entretenimento adulto, onde se cruzavam figuras locais, migrantes, trabalhadores dos garimpos e jovens DJs que entendiam como poucos o gosto musical do público.
Na entrada das boates — como a Riomar e a Paissandu — garçons vestidos de preto e branco recebiam os clientes com formalidade, enquanto do lado de fora, no quiosque de Degas, servia-se sopa quente para quem iniciava ou encerrava a madrugada. Era ali que se estabeleciam vínculos, muitas vezes frágeis e temporários, entre frequentadores unidos por circunstâncias sociais adversas.
A trilha sonora da noite misturava o brega romântico de Reginaldo Rossi, com músicas como Mon amour, meu bem, ma femme, e os sucessos populares de artistas como Carlos Santos e Fernando Mendes. Algumas canções se repetiam ao longo da noite, atendendo aos pedidos frequentes do público. Jorcêne Martinez, jornalista e frequentador assíduo da boate de Anita, costumava cantar As andorinhas voltaram, do Trio Parada Dura, enquanto circulava entre os ambientes.
Além dos personagens fixos da cidade, muitas mulheres vinham de outras capitais, como Cuiabá, Goiânia e Rio Branco, atraídas pelas oportunidades que a prostituição oferecia. A presença delas era tão marcante que se refletia até nos classificados dos jornais locais — prática que hoje seria ilegal, sobretudo pelos riscos de envolvimento com tráfico de menores e exploração sexual.
Entre os nomes lembrados está o de Lucicleia, moradora da região, que frequentava as duas principais casas noturnas da ZBM. Ela dividia uma residência de madeira com a irmã e criava um filho pequeno. Sua irmã também se prostituía. Outro nome mencionado é o de Terezinha, que morava na saída para Guajará-Mirim e se destacava ao entrar na boate Riomar com vestidos chamativos, como um longo amarelo que virou referência na memória dos frequentadores.
A estética da época também se fazia presente nas vestimentas: roupas coloridas, saias de couro brilhante, meias, botas e blusas curtas eram comuns entre as trabalhadoras do sexo. Cada visual marcava uma identidade dentro de um ambiente em que aparência e presença significavam oportunidade.
Fora do centro urbano, a prostituição se expandia para os garimpos localizados às margens do rio Madeira. Locais como Tamborete, Araras, Morrinhos, Embaúba, Sovaco da Velha e Praia do Avião abrigavam pontos de exploração sexual, onde o pagamento era feito muitas vezes em pepitas de ouro. A comercialização de serviços, inclusive com advogados e donos de comércios, seguia o mesmo padrão: balanças de precisão sobre os balcões, conferindo o valor do ouro entregue em troca.
Essas histórias, hoje vistas sob a ótica crítica dos direitos humanos e das políticas públicas, revelam um recorte histórico de uma cidade em transformação. As boates do bairro do Roque deixaram de existir, os sons das músicas já não ecoam pelas ruas enlameadas, mas a memória da vida noturna de Porto Velho segue viva entre os que viveram essa época — marcada por excessos, encontros improváveis e uma urbanidade que se construía à margem da lei e da moral tradicional.
Fonte: noticiastudoaqui