Para secretário-executivo, evento organizado pelo governo unirá o país em torno de uma data que não pode ser esquecida. Mesmo os bolsonaristas terão espaço para se manifestarem
Estamos perto de completar um ano do 8 de janeiro, uma data que traumatizou o país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer realizar um evento na Esplanada dos Ministérios para marcar esse um ano e reforçar a importância da democracia. Mas há preocupações do Ministério da Justiça e da Secretaria de Segurança do Distrito Federal. Como será esse evento sobre o 8 de janeiro e como está sendo organizada a segurança para que tudo ocorra sem sustos? Haverá espaço para os bolsonaristas se manifestarem também?
O Brasil é um país democrático, as manifestações são sempre bem-vindas. Mas manifestação democrática, que é ótima, não se confunde com atentado ao Estado Democrático de Direito. Acho que a intervenção federal e a união dos Três Poderes, logo após aqueles atos bárbaros, deram um sinal muito importante. A atuação firme e determinada do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu um limite, deixando claro o que é manifestação democrática pacífica. Reitero que o Brasil é um país livre, democrático e todos podem se manifestar ordeira e democraticamente. Agora, atentar contra as instituições, depredar o patrimônio público, não é aceitável.
Qual será o objetivo desse evento e quem participará? Governadores vão estar aqui? Como está sendo prevista a organização sobre o dia 8
de janeiro?
O presidente Lula tomou iniciativa e os presidentes dos demais poderes abraçaram a ideia de fazer um dia de celebração democrática. Um dia para festejar a democracia revigorada, fortalecida após um ano de um ato inaceitável. Será um evento no Senado, muito provavelmente no Salão Negro, com a presença dos chefes dos Três Poderes, de deputados, senadores, ministros de Estado, ministros das cortes superiores, presidentes dos tribunais de justiça dos estados, das assembleias legislativas, governadores e representantes da sociedade civil. Será um evento para não se esquecer o que aconteceu e unir o país ainda mais em torno dos valores democráticos. Essa é a intenção e tenho certeza que faremos um dia histórico. Temos tomado precauções no que diz respeito (à segurança), mas não há, até o momento, nada que gere preocupação maior. Há um trabalho de prevenção, de monitoramento de inteligência, mas, até agora, nada que gere uma preocupação maior.
A relação do ministério com a Secretaria de Segurança do DF está mais tranquila com Sandro Avelar? Antes, tinha o (ex-ministro da Justiça) Anderson Torres, que era muito ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Isso atrapalhava?
A relação é muito boa com o delegado federal Sandro Avelar, que tem uma absoluta cooperação e integração conosco. Ontem (terça-feira), também recebi a ligação da vice-governadora Celina Leão, que será a governadora em exercício e se colocou à inteira disposição para acioná-la no que for preciso. O clima, hoje, é outro. Há uma perfeita integração e isso é importante, pois a segurança ostensiva é de responsabilidade do governo do Distrito Federal.
O tema segurança pública, atualmente, é um dos mais importantes em discussão no país. O trabalho do senhor tem sido muito mais relacionado à segurança pública do que
à justiça…
Segurança pública, hoje, é a principal preocupação da população. Então, é natural que a agenda seja consumida muito pela questão. Tem o trabalho de consolidação do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), estruturando toda a política de segurança baseada em dados. Pegamos o Sinesp, o Sistema Nacional de Segurança Pública, que recolhe os dados de segurança pública no Brasil; existiam nove indicadores e elevamos para 28 para poder ter mais dados — para fazer segurança pública com inteligência e com planejamento. Segurança pública não é sair dando tiro a esmo, com efeitos colaterais para a população — não é isso. É inteligência, é planejamento, é seguir o caminho do dinheiro. Temos realizado conversas muito produtivas com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, para uma atuação de inteligência financeira com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Isso tem tomado mais de 90% da agenda porque é a preocupação central da população.
No governo Lula, o ministério tem contado com as Forças Armadas para atuar nessa contra-ofensiva ao crime organizado, como o que vem acontecendo no Rio de Janeiro. O ministro José Múcio Monteiro está integrado? Como está a relação com os militares?
A relação com o ministro Múcio e com o Ministério da Defesa é a melhor possível. Temos 13 mil homens da Polícia Federal (PF) para cuidar de 23 mil km de fronteiras, 16 mil km de fronteira seca e cerca de 7 mil km de fronteira marítima. Temos 12 mil homens da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para cuidar de mais de 75 mil km de rodovias federais. Temos cerca de 3 mil homens das Forças Armadas — 226 mil do Exército, 80 mil da Marinha e 65 mil da Aeronáutica — que podem nos ajudar nesse processo. Por que, então, não ajudar? A GLO (Garantia da Lei e da Ordem) decretada pelo presidente, nos portos e aeroportos do Rio e de São Paulo — e que se estendeu para a Operação Ágata, na fronteira de Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso —, tem sido uma experiência muito rica e que, na minha opinião, pode ser estendida para outras regiões. A gente tem, pela primeira vez na história, na mesma mesa, reunindo toda semana, a PF, a PRF e a Receita Federal (RFB). Aqui, registro e agradeço ao Ministério da Fazenda o empenho da Receita, que está dando uma contribuição muito grande. Então, PF, PRF, RFB e Exército, Marinha e Aeronáutica, todos unidos com um mesmo objetivo — que é melhorar e trazer mais eficiência para a segurança pública nos portos, nos aeroportos e nas fronteiras. Se está funcionando bem com a integração, acredito que isso pode ser levado a outros estados. Volto a dizer: são todos servidores públicos. Às vezes, ficam com essa ideia de que são civis, são militares ou se está militarizando a segurança pública. Não se trata disso. Estamos conduzindo a segurança pública com as condições que temos no Brasil. Há espaço fiscal para duplicar ou triplicar o efetivo da PF? Não. O presidente Lula assumiu o Brasil em condições fiscais difíceis e temos que trabalhar com aquilo que temos à mão. A colaboração das Forças Armadas não é em segurança ostensiva, não é em patrulhamento. É para reforçar a presença do Estado naquilo que é sua atribuição constitucional, no que diz respeito à segurança pública do governo federal, de portos, aeroportos e fronteiras. A Receita tem aproximadamente 2,5 mil homens, apenas 35 postos aduaneiros e mais de 16 mil km de fronteiras. O mesmo trabalho em outros países — na Rússia ou nos Estados Unidos, por exemplo — é feito por mais de 60 mil pessoas. Existe espaço fiscal para multiplicarmos por 10, por 20, por 30 o efetivo da Receita? Não. Então, por que não, nesses lugares específicos, não contar com o apoio do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que tem homens muito preparados, treinados e compromissados com o país? A palavra-chave da segurança pública no Brasil é integração. Precisamos unir esforços e todos os servidores que têm capacitação, expertise, que podem ajudar nesse trabalho, são bem-vindos.
Como é a relação com as polícias civis e militares em estados que têm governadores que são oposição ao presidente? Atrapalha? A autonomia dessas polícias judiciárias estaduais poderia facilitar a integração?
Na segurança pública não tem oposição. A oposição é o crime organizado. A gente aposta muito no SUSP. Volto a dizer: temos 13 mil homens da PF para cuidar de um país de dimensões continentais. É impossível fazer segurança pública no Brasil sem o SUSP, que começa com a guarda municipal e passa pelas polícias civis, militares, técnicas e penais dos estados, até a Polícia Penal Federal, que faz um trabalho muito importante nos presídios. Não se fala sobre segurança pública no Brasil sem tratar da questão das unidades prisionais — isso está diretamente ligado. Dou o exemplo do Amapá: reduzimos em mais de 50% as mortes violentas intencionais no estado, numa colaboração da Secretaria Nacional de Políticas Penais com o governo do Amapá e o governador Clécio Luís, atuando nas penitenciárias. Na hora em que se organizou o trabalho nas penitenciárias, as mortes nas ruas caíram em mais de 50%. Esse é um trabalho conjunto do SUSP, de integração de todas as polícias, e com os governadores. Na segurança pública não tem situação ou oposição — que ameaça a vida, destrói a economia e afronta o Estado Democrático de Direito.
O crime organizado está infiltrado no Estado, como no Rio de Janeiro. Como combater algo dessa natureza?
O grande problema é que essas organizações criminosas — que tinham o patamar (de giro financeiro) de alguns milhões e, algumas delas, chegaram aos bilhões — são nacionais. Há as transnacionais, com poderio bélico e financeiro muito elevado. Isso faz com que tenham um poder de cooptação de agentes dos estados muito grande.
Uma das ações do ministério é desmonetizar o crime organizado. Como isso é possível?
Esse é o desafio central, pois o fenômeno da cooptação de agentes do estado não se resolve tratando um a um. Tem que enfrentar a estrutura do fenômeno, que está no poderio financeiro. Por isso, foram muito importantes as reuniões que fizemos, recentemente, com o presidente do BC, Roberto Campos Netto, sob o qual está a coordenação do COAF. Estamos montando um grupo com a PF e com o COAF para uma postura mais ativa no que diz respeito aos relatórios de inteligência financeira. Quando se fala de organizações que movimentam bilhões, esses bilhões não estão em malas, não circulam em dinheiro vivo. Estão dentro de empresas de fachada, de contas-fantasmas. Para se ter ideia, este ano apreendemos de uma organização criminosa 268 apartamentos, uma torre inteira de imóveis de luxo em Balneário Camboriú (SC), (administrada por) uma imobiliária de fachada do crime organizado. Esse é um trabalho de inteligência muito importante. Este ano, em valores, estamos alcançando R$ 3 bilhões apreendidos pela PF. Se a gente considerar bens, vai a R$ 6 bilhões. É um trabalho que exige planejamento e, sobretudo, inteligência financeira de investigação, como a PF tem feito.
A PF prendeu, no Rio, um miliciano que estava foragido havia muito tempo — o Zinho, que tem conexões poderosas com o estado. Foi uma prisão importante pela representatividade que tem no crime organizado carioca. Como e por que ele se entregou?
Quando um líder de organização criminosa do patamar dele se entrega, na véspera de Natal, é óbvio que foi porque analisou, naquele momento, que seria a melhor alternativa. Estava encurralado. A PF vinha trabalhando e fazendo um cerco sobre os braços financeiro e político, recolhendo um conjunto de elementos probatórios que tornavam a situação dele cada vez mais insustentável. Quando se chega a essa situação, o elemento criminoso passa a ser, também, uma ameaça à própria organização. Acho que temendo pela própria vida, optou por se entregar. Mas foi um trabalho de aproximações sucessivas da PF — que continua. A prisão de um líder não desmonta a organização. É um fato importante, que tem que ser celebrado porque leva a algum nível de desarticulação. Mas o trabalho da PF segue porque quando se extrai o líder, é preciso continuar para desmontar as conexões e a espinha dorsal da movimentação financeira. É aí que se desmantela, de fato, a organização criminosa — senão, não adianta. Prende-se o Zinho e, daqui a pouco, tem outro “inho”. Tem que ir no coração da organização. Foi um trabalho muito bem feito pela PF, sem dar nenhum tiro. Precisa ser comemorado, mas o trabalho segue.
Se ele resolver colaborar…
A gente espera que colabore. Ninguém estabelece um regime de terror sobre um terço da cidade do Rio de Janeiro, como ele estabeleceu, sem ter conexões poderosas. Chega a ser curioso: Zinho estava foragido havia cinco anos, mas não estava fora do país — estava na cidade dele, muito provavelmente no bairro dele. Como é que se fica foragido na própria cidade? Com 12 mandados de prisão, isso demonstra que tinha conexões poderosas. A gente espera que colabore.
O que se pode esperar do ministro Flávio Dino no Supremo Tribunal Federal?
Pode-se esperar o que foi ao longo de toda a vida. Foi juiz federal por 12 anos, tornou-se presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais e transformou-se em uma referência para a magistratura. Foi deputado federal e, no primeiro mandato, assumiu a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) — também tornou-se um dos deputados mais brilhantes do Congresso. Depois, elegeu-se governador e foi reconduzido pela população — o maior selo de qualidade é o voto popular. Virou ministro da Justiça e Segurança Pública e vai sair, provavelmente em janeiro, aclamado pela população. Acho, então, que se pode esperar um ministro (do STF) muito capaz, qualificado, equilibrado e justo. Dará uma grande contribuição ao Supremo.
Há a expectativa a respeito de quem será o novo ministro da Justiça. Porém, o PT expressou resistência ao senhor em ser efetivado à frente da pasta. Como lidar com isso? E como é a relação com o partido?
Na política, é natural essa disputa. Mas sigo trabalhando normalmente porque a política tem o tempo dela. A escolha de ministros é uma atribuição exclusiva do presidente da República e tenho convicção de que o presidente Lula tomará a melhor decisão, e no momento adequado. Enquanto esse tempo não chega, o país não para, as atribuições do Ministério da Justiça e Segurança Pública não param. A população segue esperando e sigo trabalhando normalmente. Recebi a missão do presidente de ajudar no processo de estabilização da democracia, de estruturar a política de segurança pública. Sigo com tranquilidade enquanto lá estiver.
O senhor acha que (a contrariedade do PT) passa pela disputa com o PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, ao qual o senhor é filiado? Como é a sua atuação partidária? Há perspectivas políticas do senhor em relação ao DF?
Tenho uma relação harmônica com o PSB, muito boa com o vice-presidente Alckmin, com o ministro Márcio França (Empreendedorismo, Microempresa e Empresa de Pequeno Porte), com o presidente Carlos Siqueira, com os líderes (deputado) Felipe Carreras (PE) e (senador) Jorge Kajuru (GO), com toda bancada — uma relação absolutamente harmônica. Com relação ao futuro, brinco que toda segunda-feira reúno minha equipe para despachar os assuntos da semana e digo: “Nosso desafio é sempre chegarmos vivos à sexta-feira”. Pensar em 2026 é muito longe, não está na hora disso. O desafio do momento é ajudar o presidente Lula a fazer um grande governo — tudo para frente deriva desse resultado. Este foi um grande ano: a economia crescendo e muitos resultados para a população. O foco é fazer uma grande gestão e ajudar o presidente.